O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


sábado, 4 de fevereiro de 2012

Mônica Waldvogel e sua 'saia justa no banheiro'




MÔNICA WALDVOGEL escreveu um artigo que foi publicado no Caderno Ela (O Globo) sobre a “Saia justa no banheiro” referindo-se ao recente caso da utilização do banheiro feminino pelo cartunista Laerte, que conforme é notoriamente sabido aproximadamente quatro anos se veste publicamente com roupas femininas.

No meu ponto de vista, logo no início do texto já há sinal daquilo que vem. Segundo a jornalista o assunto foi reportado da seguinte forma: “Esquecemos de falar da confusão que o Laerte arrumou ao usar o banheiro feminino num restaurante!”

Portanto, desde logo, o debate começou com a premissa que a confusão foi arrumada pelo Laerte. Ora, o responsável pela “confusão” não poderia ter sido o dono do bar ou a cliente que reclamou do Laerte?

Em seguida, quando Monica Waldvogel responde ao Dan Stulbach sobre sua opinião acerca da utilização do banheiro pelo cartunista mais uma vez ela deixou escapar seu pré-julgamento: “Precisa perguntar para as mulheres se elas concordam com isso”.

Puro sexismo.

Dan Stulbach imediatemente retrucou: “E para os homens também”.

Ambos deixaram de lembrar que a vontade de Laerte também teria que ser considerada, afinal é ele, sem desconsiderar os demais, um dos principais interessados. Porque esqueceram?!

Laerte possui orientação sexual bissexual e se auto designa como crossdresser. Até hoje entendi como crossdresser alguém que mantém sua vida social masculina, mas se veste eventualmente com roupas femininas para fins de satisfação erotico-fetichista. Laerte permanece 24 horas travestido com roupas femininas, até mesmo para dormir utiliza camisola, tendo doado todas as roupas masculinas, se depila e diz que adota o nome social de Sonia em seu circulo. Logo, se não soubesse acerca da sua manifestação pessoal de ser um crossdresser, acreditaria se tratar de uma travesti com orientação bissexual. Não quero entrar nestas questões, o que é ou diz ser pouco importa, pois estaria fazendo o mesmo que os demais, buscando rótulos para tentar colocá-lo numa prateleira que não foi escolhida por ele.

O ponto é o banheiro e como as pessoas tratam esta questão quando se trata de uma pessoa em situação transgênera.

Para Monica Waldvogel, se ela encontrasse o Laerte no banheiro do bar, não iria reclamar com o gerente, mas acrescenta: “Mas sou sincera: é porque se trata de Laerte e de sua Sônia, só por isso. Fosse um completo estranho, eu ficaria um tanto constrangida.”

Sem dúvida, cada um tem todo direito de sentir como quiser. Neste sentido, a jornalista também tem todo direito de ficar um tanto constrangida em saber que no cubículo reservado e fechado ao lado está uma travesti.


Me lembrando de um filme no qual uma negra era impedida de usar o banheiro da patroa branca, fico feliz em constatar que no texto ela não diz que ficaria constrangida em compartilhar o banheiro uma negra, deficiente ou idosa.


Cabe a cada um trabalhar os seus constrangimentos e saber o que fazer com eles.


Mas porque ela, que escreve uma matéria num jornal para todos e todas, só faz menção ao seu constrangimento e eventualmente das demais mulheres? Porque ela inicialmente se esqueceu dos homens? Pior, muitíssimo mais grave, o que a leva a esquecer da parte mais fragilizada nesta história toda, que é exatamente a pessoa travestida?


Será que o convite dela a reflexão sobre o tema não teria obrigatoriamente que lembrar que a travesti é a única que não possui um direito definido e claro como os demais cidadãos, sendo a única sem as garantias previstas pelas normas sociais heteronormativas impostas? Será que a saia justa não poderia ser da travesti que se sentiria muito constrangida em utilizar um banheiro que não fosse aquele que se acomodasse a sua identidade ?


Em pleno século XXI uma inteligente jornalista conduzir publicamente a questão à genitália do indivíduo, e sob ponto de vista de seu constrangimento pessoal, me parece raso e até leviano.
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