O presente blog se propõe a reflexão sobre os Direitos Humanos nas suas mais diversas manifestações e algumas amenidades.


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

"Pororoca" - o violento encontro entre as diferenças

Foto do corpo de baile da Lia Rodrigues Companhia de Danças

Sábado foi o meu ‘dia da dança’.

Não que acredite que alguém esteja interessado no meu dia, mas realmente não posso deixar de partilhar aquilo que nos ajuda entender melhor o mundo onde vivemos.

Pela manhã, corajosamente, fui viver a minha própria "pororoca", ao prestigiar o aniversário da coreografa e professora de dança Marília Viegas Araújo num aulão de três horas.

A aula é num espaço fantástico em Copacabana, aqueles que você não faz a menor idéia que exista e causam grande surpresa ao conhecer. Chama-se "Espaço Rampa – lugar de criação". Super espaço charmoso e todo ecologicamente correto. Tem mil atividades interessantes no local, e evidente, a aula da Marília tinha que estar lá. A proposta é aprender a dançar ainda que não se tenha qualquer habilidade, embalado pela didática aula da professora que cria um passo a passo. Neste dia, Marilia utilizou a agradabilíssima mistura da música judaica com movimentos de dança indiana.

Confesso que, para mim, a coisa foi lúdica. Me deparei com todas as minhas dificuldades (que nem sabia possuir) de coordenação motora. Tipo filme comédia pastelão quando entra um desavisado no palco de dança, onde todos levantam o braço direito e só ele o esquerdo e assim vai.

Mas foi hiper válido, até confesso que consegui seguir os demais em alguns momentos. Suava como um porco, pelo esforço e nervoso. O mais importante, a minha coreografia final era impecável e se perpetuava por mais tempo, assim dava sensação para os colegas que partilhavam da mesma aula e que me descobrisse naquele momento que tudo havia terminado bem! Que vergonha!

Mas tudo terminou bem, de verdade. Nota-se o cuidado e prazer da professora de ensinar, muita gente interessante ao lado. Logo depois da aula, todos foram beber num bar na praia de Ipanema para brindar o aniversário da maravilhosa Marília. As aulas da Marília ocorrem uma vez por mês, no mesmo local. Para aqueles que moram no Rio, recomendo, com força.

A tarde me entreguei aos braços de Orfeu, cansaço não reflete a realidade. Mas a noite outro compromisso me esperava, prestigiar o evento de dança (mais uma vez) de uma grande amiga, a bailarina Amália Lima.

E lá fui eu, meio descrente, meio na obrigação social, assistir ao espetáculo “POROROCA” de Lia Rodrigues.

O que era aquilo?

Levei um susto!

Fantástico! Maravilhoso!

A sensação inicial era que todos estavam no palco do histórico teatro Municipal Carlos Gomes fazendo o que queriam, com improvisações momentâneas, sem qualquer compromisso organizacional na coreografia. Eram tantos, fazendo tantas coisas diversas ao mesmo tempo, numa coisa meio enlouquecida que lembra as cenas iniciais dos filmes Short Cuts ou Prét-à-Porte do diretor Robert Altman.

Ledo engano. Tudo possuía sentido e esta era exatamente a proposta da peça. Uma tremenda confusão de corpos e danças, com todas as diferenças possíveis em violento confronto.

Homem x mulher, homem x homem, mulher x mulher, negro x branco, limpeza x sujeira, espaços pequenos x espaços grandes, idas x vindas, momentos de paz outros selvagens, com todas as espécies de animais, toda forma de diversidade confrontada, tal qual a POROROCA que faz o violento encontro do mar com o rio no Amazonas.

O seu olhar jamais é o mesmo do espectador ao lado. Você enxerga o todo, mas fica preso a uma ou outra revelação, entre as inúmeras que são postas concomitantemente diante de você. Não dá para captar tudo e certamente cada um vê uma forma diferente.

Literalmente é uma peça onde os corpos falam. Não há música. Há danças, coreografias, ruídos, gemidos, lixos, gestos, amor, lutas, raiva, cores e sons.

Alguns momentos me pareceram especiais. As ondas que chegam e voltam, através da coreografia dos corpos dos dançarinos, a cena selvagem dos animais e a transformações das emoções pelas expressões faciais foram algumas delas. Mas foram inúmeras cenas fabulosas entre tapas, beijos, sexo e até o antropofágico momento de um bailarino mordendo o pé de outra colega ou da bailarina sendo arrastada pelo cabelo.

É tudo muito contemporâneo. Inquietante. Cru. Real.

Saí fascinado pelo trabalho de Lia Rodrigues. No Rio de Janeiro está ocorrendo o Festival Panorama 2010, do dia 05 até 21 de novembro. "Pororoca" acredito que não se repetirá, mas outros espetáculos da mesma companhia de dança ocorrerão. Óbvio que assistirei.

Não é à toa o sucesso de Lia Rodrigues Companhia de Danças no Brasil e especialmente no exterior. Aqui tem patrocínio da PETROBRAS e no exterior a produção e difusão internacionalThérèse Barbanel - Les Artscéniques, com co-produção doThéâtre Jean Vilar - Vitry-sur-Seine/França, Théâtre de la Ville - Paris/França, Festival d’Automne de Paris/França, Centre National de Danse Contemporaine d’Angers/França e Kunstenfestivaldesarts - Bruxelas/Bélgica.

O espetáculo “Pororoca” faz em uma hora o que tentamos fazer em outra linguagem aqui. Denuncia a revolução que ocorre no encontro da diversidade e a luta para sua convivência num mesmo espaço, com os mesmos direitos.

Encontrei no youtube trechos de Pororoca, mas já adianto que não passa, nem de longe, o que assistimos ao vivo. O olhar é do outro, de quem filmou. Mas serve para dar uma ideia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Querido, depois do espetáculo desta noite, da mesma companhia e com a mesma espetacular componente, Amália Lima, fiquei louca para ver POROROCA. Depois do teu post tão bem escrito... eu IMAGINO... até por ter entendido a linguagem, o conceito.
Senti uma inveja branca da tua aula de dança. Adoraria ter estado lá com você... fora que eu ia rir muito... pelo jeito.
O espetáculo de hoje, que juntos assistimos: FORMAS BREVES, me arrebatou, me tirou o fôlego e acabo de chegar em casa com a sensação de que levei uma SURRA. Mas das BOAS!
Que beleza de trabalho, não é?
Adorei a nossa noite. Como sempre.
Beijos e parabéns pelo belo post.
Cristina BR

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